Chile: uma reforma nas pensões que revolucionou o mundo
A transição, há mais de 30 anos, para um sistema de capitalização individual, fez com que os chilenos tenham uma taxa de substituição de 42%, ainda que estejam longe de garantir rendimentos idênticos aos que tinham antes da reforma. Por isso, o governo chileno quer levar a cabo reformas para dar mais peso ao sistema público, ao contrário do que acontece na Europa.
A experiência do Chile em 1981 implicou uma autêntica revolução, no sentido de eliminar totalmente o regime público de contribuições baseado no sistema de distribuição, e transformá-lo num sistema privado, obrigatório e com contas individuais de capitalização. Uma decisão que serviu de exemplo, em maior ou menor escala, a outros países da região, e se tornou um espelho que agora reflecte a necessidade da Europa enfrentar os seus problemas demográficos e decidir o futuro dos seus pensionistas. Ainda que os países europeus não tenham adoptado medidas drásticas, as reformas dos seus sistemas públicos, a fim de os tornar mais sustentáveis, têm vindo a acontecer por toda a parte, e a ideia subjacente é ir dando gradualmente um maior peso aos sistemas privados de financiamento. No Chile sucede o contrário: o actual governo procura dar um maior peso aos sistemas públicos.
O sistema de pensões do país integra três componentes: um primeiro pilar estatal, residual e baseado na redistribuição, que apenas assegura cerca de 4,8% de rendimentos em relação ao último vencimento antes da reforma e que implica um gasto de 3,6% do PIB; um segundo pilar obrigatório e baseado em contas individuais de capitalização de contribuição definida; e um terceiro pilar voluntário.
A espinha dorsal deste sistema é o segundo pilar, que representa 37,2% dos rendimentos respeitantes ao último salário antes da reforma, em comparação com os 27% que representam os rendimentos dos sistemas privados – tanto os obrigatórios como os voluntários – sobre o último salário nos países da OCDE, em média. Isto explica que no Chile o capital em fundos de pensões represente 60% do PIB, face à média de 35% na OCDE (média simples, ou 77% se ponderada). Com este sistema, no total, os chilenos têm uma taxa de substituição das suas pensões de 41,9%, segundo os últimos dados da OCDE, comparativamente à média de 68% nesses países.
Apesar destes dados, numa conferência em que falou recentemente, José Piñera, o “pai” da reforma que privatizou as pensões no Chile, defendia que outros países deveriam passar dos sistemas de repartição para um de capitalização, assegurando que esse modelo incentiva a poupança, o trabalho e o esforço e não coloca em causa as contas públicas perante os desafios demográficos.
Como funciona o sistema obrigatório?
Segundo o sistema, tanto as contribuições obrigatórias – exige-se 10% dos rendimentos – como o retorno financeiro gerado pelas mesmas, são acumulados numa conta de capitalização individual, cuja quantia serve para cumprir as prestações que serão pagas futuramente.
A administração dos fundos acumulados por cada trabalhador é realizada por entidades privadas, designadas Administradoras de Fundos de Pensões (AFP), e cuja supervisão está a cargo da Superintendência da APF. A adesão é obrigatória para os trabalhadores por conta de outrem que estejam no mercado de trabalho desde 1 de janeiro de 1983, e voluntária para os trabalhadores por conta de outrem que já tinham contribuído para o sistema anteriormente à reforma.
Os cidadãos podem escolher onde fazer o seu investimento: no ano 2000 foi introduzido o sistema multifundos, que permitia às APFs oferecer aos seus associados dois tipos de fundo com perfis de risco distintos. Actualmente, os homens com menos de 55 anos e as mulheres com menos de 50 podem escolher entre cinco tipos de fundos disponíveis, enquanto que as pessoas com mais idade apenas podem escolher entre quatro tipos de fundo de menor risco, e os reformados entre três fundos de menor risco. Além disso, com o objectivo de melhorar o valor da pensão de reforma, o associado pode aumentar voluntariamente o capital da sua conta de capitalização individual, sendo dedutível nos impostos e com um limite máximo.
Este sistema permite aceder à prestação da pensão de reforma antes da idade legal (reforma antecipada), ainda que a idade normal de reforma seja os 65 anos nos homens e os 60 anos nas mulheres. Além disso, os cidadãos podem solicitar a sua prestação ainda enquanto estão a trabalhar. Contudo, para haver esse acesso, é necessário que os fundos acumulados na conta individual permitam gerar uma pensão que cumpra em simultâneo dois requisitos: atingir pelo menos 50% do lucro tributável médio, actualizado, dos últimos dez anos, e o montante ser inferior a 110% da pensão mínima garantida pelo Estado.
O associado que cumpra os requisitos para obter uma pensão pode optar por três alternativas: pensão vitalícia imediata; pensão temporária com pensão vitalícia diferida e resgates programados, nos quais o associado opta por manter os fundos na sua conta individual na APF e efectuar levantamentos mensais a partir desta entidade.
Reformas rumo a um sistema com mais peso público?
Uma taxa de substituição que não chega aos 42% segundo a OCDE, e as dificuldades de alguns grupos no acesso à pensão de reforma, são as razões pelas quais o país está a planear mudanças que confiram um maior peso ao sistema público, ao contrário do que sucede na Europa. Actualmente, o Estado chileno garante uma pensão básica de solidariedade a partir dos 65 anos e que está disponível para a população mais pobre, que tenha vivido no campo durante pelo menos 20 anos e pelo menos quatro dos últimos cinco anos antes de solicitar a pensão.
Após a reforma de 2008, estabeleceu-se também outra pensão complementar para melhorar os níveis das pensões de reforma dos trabalhadores com menores rendimentos, destinada àqueles cujas pensões de contribuição definida sejam inferiores a um determinado valor.
E actualmente, o governo de Michelle Bachelet discute novas mudanças e reformas para garantir pensões adequadas e dignas: a presidente apela à criação de uma AFP estatal.